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ASSINATURA DE INDÚSTRIAS ERA ‘COLADA’ EM ACORDOS FALSOS; UNILEVER, P&G, SONY E PHILIPS FORAM ALVO Em 9 de março de 2019, Maria Christina Nascimento, com 35 anos de Americanas, e na
empresa desde 1984, diz a Paula Faria, do suporte comercial, que precisava urgentemente resolver um problema nas autorizações fictícias de verba de propaganda cooperada (VPC) da indústria.
“Colgate e Multilaser estão com 2 assinaturas cada um e idênticas. E na mesmíssima posição da linha e no mesmo enquadramento”, dizia Nascimento, que era chefe de Faria no departamento, em
mensagem de Whatsapp. O mesmo se repetia na nota da L’Oreal. * Quem avisou a CVM sobre negociações suspeitas com ações da Americanas * No grupo de WhatsApp da Americanas, RI 4.0 e edições na
contabilidade Faria rebatia dizendo que isso se repetia porque era sempre a mesma pessoa que costumava assinar os contratos entre os fornecedores da Lojas Americanas, mas Nascimento queria
uma solução rápida. “Embora seja a mesma pessoa, ela não ia colocar a assinatura exatamente igual na linha destinada a assinatura. Me ajuda!! Preciso sanar isso hj ”, pedia a chefe. Pelo
sistema de fraude, as assinaturas dos executivos dos fornecedores eram recortadas digitalmente de contratos verdadeiros, arquivados na empresa, e aplicados nos contratos falsificados. A
questão é que as assinaturas reproduzidas ficavam, naturalmente, idênticas nos falsos acordos. E isso poderia levantar suspeita dos auditores, que checavam os contratos por amostragem. As
mensagens estão em pedido de medida cautelar da Polícia Federal enviado à Justiça na semana passada e obtida pelo VALOR. No dia 27, a PF pôs na rua a “Operação Disclosure” com 15 mandados
envolvendo ex-diretores da rede. Segundo investigações do Ministério Público Federal (MPF) e da PF, havia um sistema de produção de contratos de verbas falsas em série na operação on-line da
B2W (Submarino, Shoptime, Americanas.com), e na Lojas Americanas, e com aval da alta diretoria da época. O delator Marcelo Nunes disse ao MPF que, em 2021, foram R$ 1,4 bilhão em verba de
propaganda cooperada, para receita líquida anual de R$ 27 bilhões. Nunes não relata se tudo se tratava de fraudes. A falsificação era chamada internamente de “arrecadação complementar” e
teria iniciado em 2012, pelos dados preliminares das autoridades. O ex-CEO da empresa, Miguel Gutierrez, hoje morando em Madrid, na Espanha, chega a citar essa data em um e-mail de 2017,
entre ele e Carlos Padilha, então diretor financeiro da Lojas Americanas. Ambos são investigados pelas autoridades. A fabricação de verbas seria feita para melhorar os resultados do grupo.
Os registros fraudulentos entravam como créditos. No caso da Lojas Americanas, eles reduziam o Custo das Mercadorias Vendidas (CMV) e, logo, melhoravam o lucro bruto. Já na B2W, também
melhoravam o CMV e reduziam as despesas de marketing. Na prática, como a verba não existia, os documentos eram criados apenas para eventual pedido de comprovação pela auditoria. Além dessa
questão das assinaturas, ainda havia outra dor-de-cabeça entre os supostos articuladores das fraudes. Existiam contratos fraudados “bons e maus”. Numa troca de mensagens de 2019, Nascimento
dizia que as falsificações de Multilaser e L’Oréal estavam “boas”, ou sejam bem-feitas, mas havia contratos falsos “mais ou menos”, dizia. “Se eles pegarem as boas, acho que dá”, dizia
Nascimento, ao comentar a hipótese de a documentação receber a aprovação da auditora da KPMG, Carla Bellangero, responsável pela conta na época. Bellangero esteve na CPI da Americanas, em
agosto de 2023, e apresentou indícios de que teria sido enganada pela rede. A KPMG foi auditoria da varejista de 2016 a outubro de 2019, quando foi trocada pela PwC logo após o prazo mínimo
obrigatório, determinado em regra sobre rotatividade de auditores para empresas abertas. Em outro diálogo, de 23 de fevereiro de 2018, Nascimento pede a Faria uma correção das verbas falsas.
Diz que na Garoto, empresa de chocolates, havia três autorizações de verbas assinadas, mas a “capa” da carta tinha data errada, frente à data do documento interno. Faria disse que iria
resolver o problema. Apenas dois dias antes, em 21 de fevereiro de 2018, Bellangero, da KPMG, esteve com Flávia Carneiro, então superintendente de controladoria na Lojas Americanas, segundo
mensagem de Whatsapp. “Carla ainda está aqui”, dizia Carneiro a Nascimento no aplicativo. “Dureza. Melhor enviar hj”, pedia, sobre as cartas falsificadas de 2018. Flávia Carneiro fechou, em
janeiro de 2024, termo de declaração junto ao MPF, tornando-se delatora, e entregou documentos e mensagens às autoridades, que basearam a investigação. No processo de falsificação, eram
alterados datas e valores, mas não dados cadastrais de indústrias. Christina Nascimento está sendo investigada por associação criminosa, uso de informação privilegiada e manipulação de
mercado, e está na lista dos 14 ex-diretores alvo de busca e apreensão da PF, no último dia 27. Paula Faria não aparece na lista. Há ex-empregados que ainda não foram alvo de ações da PF e
podem entrar num grupo que teria sido coagido a participar, segundo suspeitas do MPF. A investigação ainda está em andamento. São 27 companhias alvo das supostas fraudes da varejista em
diferentes anos, segundo citações de autoridades e dos delatores, na medida cautelar da PF. Há todo tipo de companhia, mas há um número maior de grandes grupos. “Isso ajuda a gerar muitos
contratos, porque é natural que uma multinacional tenha grande verba de propaganda. E quanto mais contratos, mais difícil para o auditor identificar qualquer erro”, diz um superintendente
que negociou contratos com a Americanas Entre as 27 empresas estão Unilever, Colgate, L’Oreal, J&J, Mondelez, Coty, Hasbro, BIC, Oi, Tramontina e mais 18 apenas em algumas semanas de
2016, 2017 e 2019, segundo emails e mensagens de celular (_veja tabela ao lado_). Em 2016, sete empresas, como Philips, Sony, Black & Decker, foram citadas em mensagens para elaboração
de verbas falsas. As verbas cooperadas são uma ferramenta amplamente utilizada no varejo, e há uma variação delas, o que pode facilitar fraudes. Na Americanas, havia três tipos: atrelada a
metas de compra da loja para a indústria, atrelada a algum crédito negociado com o fornecedor e atrelada a redução de preços em promoções. A indústria bancava parte da oferta. “Cada contrato
de VPC é um contrato, eles nunca são iguais, e talvez por isso, falsificá-lo com as condições que a empresa queria era tão fácil”, diz um segundo fornecedor ouvido. Ainda de acordo com a
PF, o delator, Marcelo Nunes, disse que existia processos de checagem das informações pela KPMG junto aos fornecedores, por amostragem. A área comercial da Americanas, então, entrava em
contato com os fabricantes para que eles confirmassem as informações das verbas. Nunes não dá detalhes de como isso era feito, mas afirmou que os fornecedores não sabiam do esquema, e
estavam sendo enganados. O suporte comercial da Americanas pegava declarações dos fabricantes confirmando as verbas totais, reais e fictícias, e enviava aos auditores. “Como são muito
valores que entram e saem, não é fácil perceber que se está sendo enganado”, afirma a superintendente de uma fábrica ouvida. “E como as indústrias ganharam muito dinheiro com a Americanas,
que pagava sempre tabela cheia pelos produtos, a relação comercial era boa, e ninguém queria criar problema”, diz. O passo a passo da fraude envolvia poucas pessoas. Os valores falsificados
eram registrados num arquivo Excel, verba por verba, de forma manual, pelo suporte comercial. O arquivo era chamado de versão 1, 2, 3 a depender de quantas existiam. Já a lista verdadeira
era a “versão 0”. Depois, isso era encaminhado ao centro de serviços (CSC), que inseria os dados no sistema, sem checar qualquer comprovante. A área de tecnologia da informação, por sua vez,
liberava o acesso ao sistema a um grupo seleto de pessoas, que fazia parte das fraudes. Com base em mensagens coletadas, diretores falam por Whatsapp que Gutierrez, CEO da empresa, recebia
todas as versões do arquivo. O ex-presidente nega conhecimento das fraudes. De acordo com um terceiro fabricante, não há expectativa no mercado de qualquer reação legal contra a Americanas
porque, no plano de recuperação judicial da rede, credores colaboradores que apoiaram o plano se comprometeram a não litigar contra a empresa. Pelo acordado, não cabe litígio também contra
os acionistas de referência, Beto Sicupira, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann. Eles não tiveram seus nomes citados na medida cautelar da PF, e o MPF afirma que o conselho de administração
(que inclui os sócios ou indicados por eles) teriam sido enganados. Procuradas, as empresas citadas Oi, Candide, Philips, Colgate não se manifestaram. A Nadir Figueiredo desconhece os fatos
e os documentos relatados e diz que, se a geração de dados falsos foi feita, ocorreu sem o seu aval. A Nestlé, dona da Garoto, diz que não tem informações para se manifestar. A Allied
informa que não tem conhecimento dos fatos, que as bonificações são algo comum e que o valor mencionado na lista de verbas (arte ao lado) é verdadeiro. A Unilever não comenta investigações
em andamento. O restante das empresas não se manifestou até o fechamento desta edição. Paula Faria e Christina Nascimento não foram localizadas. A RELAXMEDIC informa que não tinha
conhecimento das práticas fraudulentas relatadas e está "profundamente preocupada com as alegações de que seu nome foi utilizado de maneira indevida". Afirma ainda que os
pagamentos de verbas de publicidade sempre foram realizados de forma regular e seguindo os princípios de ética e conformidade. Reforça que não tinha qualquer envolvimento com o esquema e
nunca autorizou nada envolvendo seu nome. "Estamos atualmente avaliando todas as medidas legais cabíveis para proteger seus interesses e reputação. Se comprovado o uso indevido de nossa
marca e a manipulação de informações, não hesitaremos em tomar as devidas providências jurídicas contra os responsáveis", diz.