Uma Mulher Incomum

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_Querida avó,_ Hoje celebramos o Dia Internacional da Mulher. Uma data que assinala, entre outras causas, a igualdade de direitos civis entre homens e mulheres. Há quem continue a questionar


a pertinência desta efeméride. Um tema que foi referido poucas vezes na campanha eleitoral que hoje (finalmente) termina. A verdade é que, até outubro de 2019, (há cinco anos, portanto) o


Código Civil português dizia que, depois de um divórcio, os homens precisavam de esperar 180 dias para voltar a casar, enquanto as mulheres necessitavam de 300 dias, imagina. E este é apenas


um exemplo de machismo estrutural no nosso país. Muitos ainda pensam que o lugar da mulher é em casa a tomar conta dos filhos e a cuidar do lar. Muitos homens não aceitam ser liderados por


mulheres. Não percebo a desigualdade salarial existente entre outras situações. Hoje podíamos recordar aqui grandes mulheres que foram fundamentais para o “empoderamento feminino”. A tua


prima Maria Lamas, Odete Santos, Natália Correia, Beatriz Ângelo, Maria de Lurdes Pintasilgo, ou até Brites de Almeida, a Padeira de Aljubarrota ou a Maria da Fonte. Mas hoje, em particular,


gostaria de referir a nossa amiga Simone de Oliveira, como uma Mulher Inesquecível! Foi feminista quando a maior parte das mulheres vivia dependente da vontade do pai ou do marido. Fumava,


usava calças e frequentava a noite, enquanto as outras mulheres estavam de avental na cozinha ou de joelhos nas igrejas. Abandonou o marido que a maltratava e denunciou-o enquanto outras


apanhavam e ficavam caladas. Já te disse que uma das minhas canções preferidas da Simone é AUTO-RETRATO, com letra e música do nosso amigo António Sala? Um “Retrato Cantado” de uma Mulher


Incomum, que ousou percorrer o caminho mais difícil. Amada por muitos homens e mulheres e mal-amada por outros tantos, mas a quem ninguém fica indiferente! Vamos visitá-la em breve? Bjs


_Querido neto,_ Efetivamente, podíamos falar de imensas MULHERES DO MEU PAÍS, titulo da obra da minha prima Maria Lamas publicada em fascículos e que traçou o retrato minucioso da condição


da mulher em Portugal nos anos 1940. Também podíamos falar de Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa – as três (Marias) autoras das NOVAS CARTAS PORTUGUESAS, o livro


que provocou grande rebuliço na vida cultural e política de Portugal. Também podíamos falar de Florbela Espanca e Amália Rodrigues. Ou, se quiséssemos retroceder uns séculos na história,


podíamos falar de D. Maria I ou da neta D. Maria II. Desde a monarquia nunca mais tivemos um país governado por mulheres. No entanto ainda existe esperança! Quanto à nossa amiga Simone de


Oliveira deixou o “pombal” onde vivia na freguesia da Misericórdia e agora reside na Casa do Artista. Como sabes, não hesitou em aceitar o convite de Ary dos Santos para cantar A DESFOLHADA.


Foi uma escandaleira uma mulher a cantar «QUEM FAZ UM FILHO, FÁ-LO POR GOSTO», num Portugal a preto e branco. Tem sido uma mulher com um percurso de vida incrível, uma espécie de montanha


russa, com altos e baixo, que deixou marcas e cicatrizes e muitas histórias por contar. Foi-nos diagnosticado um cancro da mama, praticamente ao mesmo tempo. Mas também nisso fomos um


exemplo de resistência, e de esperança para tantas outras mulheres. «NASCI EMBALADA NO CANTO CRESCIDO/ DA GENTE MIÚDA/ CRESCI AQUECIDA PELO SOL DE INVERNO/ QUE O VENTO NÃO MUDA/ CANTEI


DESFOLHADAS, CANTEI SETE LETRAS/ TANGOS RIBEIRINHOS/ CANTEI OS POETAS, GRITEI OS POEMAS/ QUE SÃO MEUS CAMINHOS» «MUDEI O CANTAR E A FORMA DE AMAR/ AQUI ONDE ESTOU/ VIREI OS DESTINOS, MUDEI


OS MEUS HINOS/ MAS SEI ONDE VOU!» Só o António Sala podia ter escrito algo tão bonito para Uma Mulher Incomum de seu nome Simone de Oliveira. Bjs