Mal amado

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faz parte do anedotário académico um exame oral em direito em que um benevolente professor tentou tudo para passar um aluno assíduo, bem apessoado e educado mas muito pouco vocacionado para


a matéria. como a coisa ia de mal a pior, o catedrático resolveu dar última oportunidade ao discente, perguntando-lhe: ‘sabe qual é diferença entre nato e otan?’. o jovem estudante nem


pestanejou antes de iniciar a resposta: ‘senhor professor doutor, a doutrina divide-se…’. a oral terminou nesse preciso momento.


vem esta história a propósito da realização da cimeira da aliança atlântica em lisboa, numa altura em que o país já está chumbado aos olhos do mundo e em que já não há doutrinário que dê o


que quer que seja por este desorientado governo.


um país com as finanças e a economia de pantanas, penalizado pelos mercados internacionais a cada euro que pede emprestado, que paga para manter instalações da nato no seu território – e que


os estados-membros desconsideram, baixando-as de escalão –, investe milhões na organização de uma cimeira à escala mundial?


sim, é verdade, portugal já provou que sabe organizar acontecimentos desta dimensão e que não poupa esforços, nem milhões, quando assume esses compromissos.


mas também é verdade que, além dos dividendos diplomáticos ocasionalmente percebidos e do show off que o mundo retém por efémeros dias, tem muito pouco retorno.


e um país em que a (im)produtividade é um dos problemas graves e crónicos, com um calendário generoso em feriados e ‘pontes’, ainda arranja mais um(a), para deixar a capital quase parada? (a


tolerância de ponto decretada pelo governo, pelos vistos sem consulta prévia de ninguém – nem da câmara, que protestou, e bem –, foi para hoje, sexta-feira, mas ontem, quinta-feira, já


muito boa gente fez gazeta).


nesta semana, por coincidência, o ministro da economia, democraticamente elogiando o direito dos trabalhadores à greve, censurou a inoportunidade da greve geral convocada para a próxima


semana, pelo impacto negativo que terá nas contas do estado. tem toda a razão. só que… enfim.


vieira da silva representa o seu papel o melhor que pode, como outros ministros lá o vão representando – veja-se o exemplo da ex-sindicalista ministra do trabalho, helena andré, a tentar


desvalorizar o agravamento da taxa de desemprego para números nunca vistos.


mas a mise en scène em que este governo e o seu principal protagonista são especialistas já não resulta.


no show off que permitirá a cimeira da nato – com obama, medvedev, sarkozy, cameron, merkel e companha –, josé sócrates vai ter a seu lado, em primeiro plano, o seu indefectível ministro da


defesa, santos silva, e o expressa e publicamente céptico ministro dos negócios estrangeiros, luís amado.


porque a cimeira calha realizar-se no fim-de-semana imediatamente seguinte à entrevista (ao expresso) em que amado – certamente não por acaso – assumiu a sua descrença no governo a que


pertence com o destacado cargo de ministro de estado (e dos negócios estrangeiros).


amado defendeu um governo de coligação tipo ‘salvação nacional’, para o qual até se afirmou disponível para ceder o seu lugar (o que não admira – era um favor que lhe faziam). coligação que


ele bem sabe ser impossível sob a liderança de josé sócrates, o primeiro-ministro de quem é formalmente o número dois. porque o chefe do governo e do ps já a rejeitou, rejeita e rejeitará.


haverá pior censura a um governo do que um ministro de estado propor a sua reformulação e recomposição política?


sócrates está feito. mais ainda quando o seu outro ministro de estado, e das finanças, está desacreditado interna e externamente.


já não há show off ou mise en scène que escondam a debilidade terminal do governo e do seu líder.


resta a hipótese de uma remodelação – à zapatero. daquelas a que sócrates sempre foi avesso. sendo certo que não será fácil encontrar quem esteja disponível para aceitar fazer parte da


comissão liquidatária desta maioria… com o seu mal amado líder.