Como o polêmico plano de ajuda humanitária a gaza apoiado por eua e israel está provocando caos

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O segurança mascarado e armado no topo de um monte de terra observa milhares de palestinos que estão encurralados em ruas estreitas separadas por cercas. Ele faz um formato de coração com as


mãos e a multidão responde: a cerca começa a dobrar conforme eles a empurram. É + que streaming. É arte, cultura e história. + filmes, séries e documentários + reportagens interativas +


colunistas exclusivos Assine agora Esta cena de explosão de alegria foi filmada na terça-feira (27/05), dia da inauguração de um centro de distribuição de ajuda — uma tábua de salvação vital


para os moradores de Gaza que não recebem novos suprimentos na Faixa de Gaza há mais de dois meses devido ao bloqueio israelense. Mas naquela tarde, o cenário logo virou para um caos total.


Vídeos mostravam o centro de distribuição tomado por civis desesperados, pisoteando barreiras caídas; as pessoas se encolhiam ao ouvir os sons de tiros. Este foi o início desordenado de um


novo e controverso esquema de distribuição de ajuda operado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), um órgão recém-criado e apoiado pelos EUA e Israel. A GHF foi


encarregada de alimentar os famintos moradores de Gaza. A ONU afirmou que mais de dois milhões de pessoas correm o risco de morrer de fome. A fundação, que utiliza agentes de segurança


americanos armados, visa contornar a ONU como principal fornecedora de ajuda em Gaza. Ela foi duramente condenada e boicotada por agências humanitárias e pela ONU. Mas Israel afirmou que uma


alternativa ao sistema de ajuda existente era necessária para impedir o roubo de ajuda humanitária pelo Hamas, o que é negado pelo grupo palestino. Para ter uma ideia dos primeiros dias


deste novo sistema de entrega de ajuda, a BBC verificou dezenas de imagens em locais de distribuição, entrevistou especialistas humanitários e de logística, analisou dados de transporte de


ajuda israelense e declarações oficiais divulgadas pelo GHF e conversou com moradores de Gaza que buscam suprimentos. CAOS NOS CENTROS DE DISTRIBUIÇÃO A GHF disse que pretendia alimentar um


milhão de moradores de Gaza em sua primeira semana de operações por meio de quatro locais seguros de distribuição. Um porta-voz da fundação afirmou na sexta-feira (30/05), seu quarto dia de


operações, que a organização havia distribuído dois milhões de refeições. A BBC não conseguiu verificar esse número, que seria inferior a uma refeição por habitante de Gaza ao longo de


quatro dias. A GHF não respondeu às nossas perguntas sobre como estava rastreando quem as estava recebendo. Em um vídeo filmado na sede da GHF ao norte, perto de Nuseirat, na quinta-feira


(29/05), palestinos podem ser vistos fugindo de uma cerca depois que contratados da GHF lançaram um projétil que explodiu com um estrondo alto, um clarão e fumaça. O GHF disse em um


comunicado que seu pessoal "encontrou uma multidão tensa e potencialmente perigosa que se recusou a se dispersar". "Para evitar a escalada e garantir a segurança de civis e


funcionários, meios de dissuasão não letais foram utilizados, incluindo fumaça e tiros de advertência no solo", disse. "Essas medidas foram eficazes e não houve feridos". A


BBC não pode confirmar isso de forma independente. Mais tarde naquela noite, o GHF alertou os moradores de Gaza via Facebook que fecharia qualquer local onde ocorressem saques. O GHF não é a


única organização humanitária que enfrenta sérios desafios. Na noite anterior ao alerta do GHF, um armazém do Programa Alimentar Mundial (PAM), da ONU, foi saqueado, resultando em várias


mortes que ainda estão sendo investigadas. Em resposta ao incidente, o PAM disse que os desafios humanitários "estão fora de controle" e pediu "acesso humanitário seguro e


desimpedido" a Gaza imediatamente. O PAM não respondeu às perguntas da BBC sobre como implementaria mais medidas de segurança em seus armazéns. COMUNICAÇÃO DESORGANIZADA Palestinos que


buscam ajuda caracterizaram a operação liderada pelo GHF como desorganizada, dizendo que a falta de comunicação contribuiu para as cenas caóticas vistas nesta semana. A situação ficou ainda


mais nebulosa devido à desinformação. A BBC identificou pelo menos dois perfis no Facebook que se passam por contas oficiais do GHF, compartilhando informações imprecisas sobre a situação


dos centros de distribuição de ajuda. Uma página com mais de 4 mil seguidores publicou informações imprecisas, às vezes junto com imagens geradas por IA, de que a ajuda havia sido suspensa


ou que os saques nos centros do GHF estavam desenfreados. Um porta-voz da GHF confirmou à BBC que ambas as contas do Facebook eram falsas. Ele também afirmou que a fundação havia lançado um


canal oficial no Facebook. Dados de transparência online mostraram que a página foi criada pela primeira vez na quarta-feira (28/05), um dia após o início das operações de distribuição. A


organização humanitária Oxfam e moradores locais de Gaza disseram à BBC que os moradores estão confiando no boca a boca para circular informações quando a ajuda está disponível. "Todo


mundo está com fome. Todos lutam para conseguir o que querem, como vamos conseguir alguma coisa?", disse Um Mohammad Abu Hajar, que não conseguiu garantir uma caixa de ajuda na


quinta-feira. PREOCUPAÇÕES HUMANITÁRIAS A Oxfam criticou a localização dos locais de distribuição do GHF, dizendo à BBC que isso impôs "controle militar sobre as operações de


ajuda". Sua assessora política, Bushra Khalidi, também questionou como pessoas vulneráveis, como idosos, conseguiriam chegar a esses locais, que ficam a alguma distância de alguns


centros populacionais. Quando a ONU distribuía ajuda antes do bloqueio humanitário de Israel, havia 400 pontos de distribuição espalhados por Gaza. No atual sistema de distribuição do GHF,


existem atualmente quatro locais conhecidos. "De modo geral, o objetivo é aumentar drasticamente a concentração da população, fazendo com que as únicas fontes de alimentos permaneçam em


um número muito pequeno de lugares", disse Chris Newton, analista do grupo de estudos Crisis Group, sediado em Bruxelas. "Ou você segue todas as regras e provavelmente sobrevive


em um pequeno raio ao redor desses locais, ou é muito improvável que sobreviva." A presença de segurança armada e soldados israelenses nos locais de distribuição ou perto deles também


alarmou especialistas, que disseram que isso minou a confiança nas operações de ajuda. "Distribuir assistência nesse tipo de ambiente é extremamente difícil. [É] muito mais eficaz


quando você tenta trabalhar com as pessoas presentes... em vez de sob a mira de um mercenário", disse o professor Stuart Gordon, da London School of Economics. Um porta-voz da GHF


disse: "Nossa capacidade — e disposição — de agir sob pressão é exatamente o motivo pelo qual a GHF continua sendo uma das únicas organizações ainda capazes de entregar ajuda alimentar


essencial a Gaza hoje." Imagens e vídeos feitos por testemunhas oculares e pelo exército israelense mostraram que as caixas do GHF pareciam conter apenas alimentos enlatados, macarrão,


arroz, óleo de cozinha e alguns biscoitos e lentilhas. "Ajuda humanitária não é apenas uma caixa de comida que você coloca e chama de ajuda humanitária", disse Khalidi. Os


suprimentos entregues às famílias devem ser acompanhados de suporte médico, kits de higiene e purificação de água, disse Gordon. Um documento de 14 páginas da GHF, visto pela BBC, prometeu


distribuir água e kits de higiene nos locais. Na sexta-feira, apenas um dos quatro locais do GHF estava distribuindo ajuda. O local ficou aberto por menos de uma hora. O GHF anunciou no


Facebook que o local fechou porque todos os seus suprimentos haviam sido "totalmente distribuídos". Quando questionado pela BBC por que apenas um local estava funcionando e por que


suas caixas acabaram tão rapidamente, um porta-voz do GHF disse que o fornecimento "variará dia a dia". "A boa notícia é que fornecemos dois milhões de refeições em quatro


dias e aumentaremos a distribuição nos próximos dias e semanas", disse o porta-voz. Mas muitos ainda estão retornando dos locais de distribuição sem caixas para suas famílias.


"Estou de mãos vazias, do jeito que vim ao mundo", disse Hani Abed do lado de fora do centro perto de Netzarim na quinta-feira. "Cheguei de mãos vazias e saí de mãos


vazias." _Reportagem e verificação adicionais por Emma Pengelly, Rudabah Abbass, Alex Murray, Thomas Spencer, Benedict Garman e Richard Irvine-Brown._ Dúvidas, Críticas e Sugestões?


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