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Dar uso àquelas letras esquecidas na gaveta, escrever uma ou outra canção pela manhã quando a cabeça está fresquinha. No fim, pedir opinião à mulher ou à mãe. Depois da aprovação é tocar e
gravar, tarefa arrumada em pouco mais de cinco dias. Mais precisamente em cinco dias e meio. Em conversa com Miguel Araújo… Dar uso àquelas letras esquecidas na gaveta, escrever uma ou outra
canção pela manhã quando a cabeça está fresquinha. No fim, pedir opinião à mulher ou à mãe. Depois da aprovação é tocar e gravar, tarefa arrumada em pouco mais de cinco dias. Mais
precisamente em cinco dias e meio. Em conversa com Miguel Araújo é fácil qualquer um convencer-se que é coisa simples isto de fazer discos. “O primeiro disco do Bob Dylan foi gravado num
dia, o primeiro dos Beatles também. Hoje é que há muita tendência para complicar e aperfeiçoar muito as coisas”, conta. “Cinco Dias e Meio” é a estreia do músico em nome próprio. É um
valente atrevimento. Pelo menos para aquele miúdo que tinha vergonha de cantar. Começou a tocar baixo, em reuniões de família, por brincadeira. Entretanto passou por várias bandas e foi em
2002 que decidiu também soltar a voz na banda os Azeitonas. Dez anos depois chegámos ao presente, em que faz o seu próprio caminho. “Já tinha este desejo há muito, mas a actividade da banda
foi-me consumindo tempo, não tinha a liberdade de mente e espírito que era preciso”, explica, acrescentando que também outros membros da banda têm projectos paralelos. De um lado a produção,
os arranjos, do outro o minimalismo, o foco nas canções. Como conciliar a banda com um projecto a solo? A resposta é fácil, garante. “É como aqueles homens que têm duas famílias”, brinca.
“A coisa lá se gere. Ninguém fala muito sobre isso em nenhuma das casas.” Depois de um riso ainda tímido relembra que, apesar dos concertos, “a banda está parada em termos criativos”. Tempo
para cada um resolver a sua vida. 5 dias e 1/2 Esqueça teorias ou outras histórias sobre como desce afinal a inspiração para fazer um álbum. A verdade é que se vão fazendo letras e, depois
sim, logo se vê se tudo cai bem junto. É este o método (ou a falta dele). “Valham-nos as memórias de um céu bem mais azul de quando o ‘Verão Azul’ dava na televisão. O cheiro a naftalina é
que me aquece o coração.” Não fosse a inspiração morar em tempos que já foram e o disco de estreia não teria este gostinho a passado. “Se formos a ver, é um tema a que é impossível fugir.
Todos os autores e compositores falam da infância, da juventude. De Chico Buarque a Elton John, toda a gente aborda isso porque é um tema de infinitas referências”, adianta sobre o espírito
nostálgico que paira sobre algumas faixas. Madrugar não é um dos ossos do ofício, mas uma preferência do músico. “Acordo aí às oito, oito e meia. É à hora em que a coisa está mais calma e em
que os meus amigos músicos estão a dormir e ninguém me liga com programas.” Tudo sempre diante do ecrã: “Nunca escrevi uma letra em papel e caneta na vida”, confessa o cantor, que, rendido
à tecnologia, grava sons, vídeo e faz apontamentos em iPhone. Sentado na esplanada do Príncipe Real, em Lisboa, relembra as memórias de uma infância na Foz do Porto em pronúncia que não
perdoa. “Ali ninguém é educado para ser músico, toda a gente é encaminhada para cursos como Direito ou Gestão. Eu próprio fui uma dessas pessoas que foram para Gestão.” Um curso ao qual
acabou por não dar uso. Foi a música que o desencaminhou. Fica ansioso antes dos concertos e é o único dos Azeitonas que até prefere nem comer. “Detesto ir de barriga cheia para o palco”,
conta. Chamem-lhe ritual, mas come só uma banana. Das aventuras de ser músico, a parte da “cantoria” é o que mais o inquieta. “Sou um autor de músicas que as canta. Se calhar o Pedro
Abrunhosa ou o Sérgio Godinho não seriam propriamente cantores se não fossem os compositores das músicas. Eu enquadro-me nisso. Tenho imensos problemas de alergia, rinite alérgica. Cantar é
sempre a parte mais complicada, é o maior drama.” Pausa antes de voltar atrás: “Mas a voz não é aquilo que está em jogo, é como mostrar a caligrafia de um escritor.”