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Não aconteceu há tanto tempo assim – foi no dia 24 de maio de 2017, há seis anos e quatro meses, portanto. Mas o tratamento dado ao episódio pela Justiça e pela grande mídia naquela ocasião
foi tão diferente daquele que vem sendo aplicado ao que ocorreu no último dia 8 de janeiro que parece se tratar de outro país, ou de outro regime político, ou de uma época muito distante.
Estou falando dos atos de vandalismo que aconteceram em Brasília, assim relatados pelo portal G1 na reportagem “Temer aciona Forças Armadas após vandalismo em protesto em Brasília” (grifos
meus): “A manifestação foi promovida e paga pela CUT e pela Força Sindical. Os manifestantes _pediam a saída do presidente Temer _e eram contrários às reformas trabalhista e da Previdência.
O protesto terminou em _vandalismo_. (...) “O protesto organizado e pago pelas centrais sindicais parou o trânsito na cidade. Só a Força Sindical levou _800 ônibus_ com manifestantes a
Brasília. (...) "Mascarados atacaram com _bombas caseiras, pedaços de pau e pedras_. Vândalos arrastaram banheiros químicos para usar como escudo. _Com o rosto coberto, um homem atira
uma bomba e comemora_. Em outro local da Esplanada, eles queimaram bicicletas de uso coletivo, orelhão e placas de trânsito. (...) “_Os manifestantes foram impedidos de chegar ao gramado do
Congresso Nacional_. Toda a área foi isolada com barreiras. Do outro lado, a Polícia Militar; mais à frente, os manifestantes. Era possível ver muita fumaça, porque _puseram fogo perto do
Ministério da Saúde_. “Além de monumentos como o Museu da República e a Catedral Metropolitana, _ao menos seis ministérios foram alvos de depredação_: Turismo, Fazenda, Planejamento, Minas e
Energia, Cultura e o Ministério da Agricultura. _O auditório foi incendiado_. A fumaça era vista de longe. Os bombeiros tiveram dificuldade para entrar na Esplanada. “Teve _destruição_
também no Ministério da Cultura. Imagens mostram móveis, papéis jogados pelo chão, material que acabou servindo de munição para os vândalos, que montaram _barricadas de fogo_. _Vândalo
depredando prédio público em Brasília, em maio de 2017 _ “Em nota, a Força Sindical _rechaçou a infiltração de vândalos no protesto_ e disse que não tem nada a ver com os baderneiros. A CUT
também negou que os mascarados fizessem parte da central e disse que _a manifestação tomou uma proporção maior do que o esperado_. “Os prédios dos ministérios na Esplanada foram esvaziados a
pedido do governo, e tropas federais convocadas para proteger o patrimônio público. “_A PM calculou em 35 mil o número de manifestantes na Esplanada_. No balanço da Secretaria de Segurança
do Distrito Federal, 49 manifestantes e policiais ficaram feridos. _Sete vândalos foram presos por lesão corporal, desacato, porte ilegal de arma e dano ao patrimônio_.” (...) Li e reli o
texto e fiquei intrigado. Nenhuma menção a tentativa de golpe de Estado. Nenhuma menção a ameaças a democracia. Nenhuma menção a terrorismo. Talvez a motivação de muitos ali fosse derrubar o
presidente, mas não tinham capacidade para isso, e as forças de segurança agiram. Também chama a atenção o número de ônibus (mais de 800), o número de manifestantes – 35 mil – e o número de
prisões: apenas sete, por motivos que incluíram lesão corporal e porte ilegal de arma. Já em 8 de janeiro, segundo esta reportagem, foram pouco mais de 100 ônibus transportando menos de 4
mil pessoas. Ninguém saiu ferido. Que eu saiba, nenhum vândalo (ou golpista?) estava armado. Dúvidas: quanto tempo será que aqueles sete vândalos de 24 de maio de 2017 ficaram presos? O caso
de algum deles foi parar no Supremo? Quais foram as penas aplicadas, e por quais crimes? O esquema de segurança e as forças armadas agiram da forma adequada na proteção do patrimônio
público, naquela ocasião? Por que não agiram com a mesma eficiência em 8 de janeiro, quando o número de manifestantes era muito menor? Os organizadores declarados do protesto que terminou em
vandalismo foram punidos? > A CONCLUSÃO QUE SE IMPÕE É QUE, PARA A JUSTIÇA E PARA A GRANDE > MÍDIA, O CRIME QUE SE COMETE INTERESSA MENOS DO QUE _QUEM_ O COMETE > E _POR QUE_ O
COMETE A reportagem cita móveis jogados pelo chão, barricadas de fogo e depredação nos prédios de pelo menos seis ministérios. Bombas caseiras, paus e pedras foram atirados, banheiros
químicos foram destruídos, bicicletas foram queimadas, um auditório foi incendiado. “A fumaça era vista de longe”, escreve o repórter, e as imagens são mesmo assustadoras. O que a comparação
entre os dois episódios revela é que basta muito pouco tempo – pouco mais de seis anos – para coisas importantes mudarem. A julgar pelo que diz a reportagem transcrita acima, o episódio de
2017 foi maior, envolveu mais gente e foi mais violento que o do último dia 8 de janeiro. Bombas e armas foram apreendidas. Pessoas saíram feridas. Nem por isso os responsáveis foram
tratados como golpistas e terroristas, nem sequer como extremistas, pela mídia e pela Justiça, mas como vândalos e baderneiros. Segundo a reportagem, só sete foram presos, e algo me diz que
não ficaram muitos dias na prisão. Já no episódio de 8 de janeiro, classificado como ato golpista, foram presas mais de 2.000 pessoas, 1.400 no mesmo dia. Muitas continuam presas. O primeiro
réu julgado recebeu uma pena altíssima, de 17 anos de prisão em regime fechado, por crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o
ordenamento urbano e o patrimônio cultural e associação criminosa. O desconforto diante do exagero dessas penas começa a aparecer até na esquerda. “Invadir prédio público não é golpe de
Estado e nem terrorismo, a não ser que invada com uma força poderosa armada”, declarou Rui Costa Pimenta na matéria “PCO critica rigidez da pena do STF a extremistas do 8 de janeiro”: “Se
você faz uma manifestação desarmado, não é um golpe de Estado, mas um ato político. Pode ser um ato com objetivos muito ruins, mas, se formos defender atos políticos apenas com objetivos com
os quais a gente concorda, não tem ato político.” Muita gente da esquerda moderada também pensa mesma maneira. Até mesmo entre aqueles que votaram em Lula e odeiam Bolsonaro, muitos não
gostam do rumo que as coisas estão tomando no Brasil. Até porque qualquer pessoa com um mínimo de boa-fé sabe que a imensa maioria dos envolvidos no 8 de janeiro era composta por brasileiros
comuns, gente inconformada e movida pelo desespero. Por óbvio, vandalismo é crime, e qualquer manifestação que envolva destruição de patrimônio merece ser repudiada, e seus responsáveis
punidos na forma da lei e com penas individualizadas e proporcionais à gravidade daquilo que cada um fez. Seguramente havia, no 8 de janeiro, muitos fanáticos e imbecis, como em qualquer
manifestação que descamba para a violência. Mas ninguém ali tinha a mínima capacidade intelectual, articulação ou poder para promover um golpe de Estado. E muitos sequer participaram do
quebra-quebra. Em maio de 2017 também foi assim: provavelmente muitos manifestantes que usavam máscara e atiravam pedras tinham vontade de derrubar o presidente, mas nem por isso foram
tratados como golpistas. E aqueles que foram presos – apenas sete – foram detidos pelos crimes que efetivamente cometeram, incluindo lesão corporal e porte de arma, não pela suposta intenção
que os movia. Podiam ser vândalos, fanáticos e imbecis, mas não foram chamados de terroristas. A conclusão que se impõe é que, para a Justiça e para a grande mídia, o crime que se comete
interessa menos do que _quem_ o comete e _por que_ o comete. Diante da pergunta “Se brasileiros comuns destroem patrimônio público, eles merecem ser julgados como vândalos ou terroristas?”,
a resposta, hoje, é: depende. Depende de quê? Depende de que lado você está, qual foi a sua motivação, em quem você votou... A lista de condicionantes é grande, mas como vivemos em tempos de
relativização da democracia e da liberdade de expressão, prefiro parar por aqui. VEJA TAMBÉM: