Curitibano vive ‘caso de amor e ódio’ com árvores de rua

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No coração da bandeira de Curitiba tem uma araucária. Assim como no coração de muito curitibano também há uma árvore. Pode ser um pinheiro que, após uma longa viagem a outras paragens,


parece nos receber de braços abertos: “Bem-vindo de volta”. Talvez seja a jabuticabeira do quintal da casa da vó, que nos lembra dos doces anos da infância. Ou o pé de não sei o quê embaixo


da qual os namorados deram o primeiro beijo. Ou simplesmente o pinheirinho arrumado com esmero para o Natal. Árvores despertam afetos. Mas o amor pode virar ódio. E rotineiramente vira.


Curitiba está cheia de exemplos de como as árvores podem irritar e ameaçar. São galhos ou troncos que, por vezes, causam estragos ao cair sobre carros, residências e fios de energia. Que


põem pedestres em risco. Que danificam calçadas com suas raízes pouco profundas. Que atrapalham a iluminação. Veja também “A população tem de amar as árvores, não odiá-las”, diz Flávio


Zanette, professor do programa de pós-graduação em produção vegetal da UFPR. A vegetação traz vários benefícios para os moradores das cidades: refresca o ambiente, embeleza a paisagem, atrai


passarinhos, retém água da chuva (o que dificulta a ocorrência de cheias), melhora a qualidade do ar... Mas a falta de um planejamento de arborização eficaz pode pôr tudo a perder. Zanette


afirma que um bom plano desse tipo se assenta num tripé: escolha da espécie adequada, plantada no local apropriado e com o posterior manejo bem feito. Segundo ele, porém, ainda há muitos


equívocos cometidos nessa área. Professora de arborização urbana e paisagismo do curso de Engenharia Florestal da UFPR, Daniela Biondi concorda: “Não há um plano diretor de arborização


claro. Pelo menos eu desconheço”. Isso se reflete, por exemplo, em falhas no monitoramento de árvores mais velhas para prevenir quedas. “A prefeitura parece que sempre está apagando fogo,


reagindo a demandas da população por cortes. Não há uma prevenção sistemática”, diz Daniela. O padrão de calçadas é outro problema: prevê duas faixas de gramado intercaladas entre si –


muitas vezes não sobra espaço para que as raízes cresçam sem destruir o calçamento ao lado. “Por que não juntam as duas faixas e aumentam o espaço do gramado para plantar a árvore ali?”,


questiona a professora. A prefeitura contesta a avaliação dos especialistas. Um bom plano também não ficaria restrito a solucionar potenciais problemas causados pelas árvores. Mas poderia


proporcionar soluções a outros desafios da cidade, como as “ilhas de calor”. Ruas mais quentes, com maior ensolação, podem receber árvores frondosas. Já nas vias que já têm sombra de


prédios, o espaçamento entre elas pode ser maior. Mas tudo isso exige conhecimento científico. Algo que, dizem os especialistas, ainda falta. Como falta colocar a arborização na agenda


pública. Afinal, árvores não costumam dar voto, embora façam parte do dia a dia de todos, inclusive das autoridades – mesmo que simbolicamente. “Quando você entra num gabinete do Centro


Cívico tem araucária em todo lugar: na bandeira de Curitiba, no brasão da cidade, em quadros”, diz Zanette. Isso não falta. Talvez o que falte seja haver uma árvore no peito de cada


político.