
- Select a language for the TTS:
- Brazilian Portuguese Female
- Brazilian Portuguese Male
- Portuguese Female
- Portuguese Male
- Language selected: (auto detect) - PT
Play all audios:
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), está cada vez mais ameaçado por sanções inéditas dos Estados Unidos contra juízes no exterior, pelas vias judicial,
legislativa e administrativa por parte do Executivo. No episódio mais recente e impactante dessa batalha política e jurídica, o deputado americano Rich McCormick (Republicano) pediu ao
governo Trump que aplique administrativamente sanções a Moraes com base na lei local _Global Magnitsky Human Rights Accountability Act _(Lei de Responsabilidade Global de Direitos Humanos
Magnitsky), aprovada em 2016. Ela pune com bloqueio de ativos nos Estados Unidos e no sistema financeiro mundial estrangeiros envolvidos em corrupção e violações de direitos humanos. A
entrada deles nos Estados Unidos também fica proibida. Desde 2017, ela projeta globalmente sanções do governo dos EUA, com a autorização para o presidente americano aplicar sanções
unilaterais àqueles que violam direitos humanos, congelando seus bens e proibindo-os de entrar em território americano. A Magnitsky já alcançou ao menos 650 indivíduos em vários países, como
Rússia, Afeganistão, Bulgária, China, Guatemala, Haiti, Libéria, Paraguai e Uganda. A maioria era suspeita de corrupção e abusos de direitos humanos, mas há casos em que a motivação foi o
fato dos alvos usarem cargos em seus países para promover ações de censura. A legislação nasceu de um projeto de lei aprovado pelo Congresso dos EUA e sancionado pelo presidente Barack Obama
em 2012. Seu objetivo original era punir autoridades russas responsáveis pela morte do advogado tributário russo Sergei Magnitsky em uma prisão de Moscou, em 2009. A Rússia vem pressionando
Trump para acabar com essa lei pelo menos desde 2016, quando ela era discutida. A aplicação da _Global Magnitsky Human Rights Accountability Act_ é um ato do presidente e não depende de
tramitação no Congresso dos Estados Unidos nem no Judiciário do país. McCormick acusa o ministro de usar o Judiciário para manipular eleições, calar a oposição e censurar empresas
americanas, configurando uma perseguição igual à sofrida por Trump no passado recente. A iniciativa de um congressista americano contra um juiz do STF tende a agravar as tensões diplomáticas
com o Brasil. Em paralelo, na esfera do Legislativo, pode ser votada nesta quarta-feira no Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes do Congresso americano a lei _No Censorship on Our
Shores Act_ (Não à censura em nosso território, em tradução livre). Ela criminaliza autoridades estrangeiras que exerçam atos de censura que atinjam cidadãos americanos. Se continuar
tramitando e for aprovada, em teoria, ela pode ser usada para no futuro cancelar o visto de entrada de Moraes nos Estados Unidos. No campo do Judiciário, duas ações privadas estão sendo
movidas nos últimos dias por plataformas digitais contra Moraes em tribunais americanos. Essas ações afirmam reagir a agressões a direitos básicos de cidadãos e empresas americanas. As
empresas Rumble e Trump Media contestam a alegada determinação de Moraes para censurar no Brasil o influenciador de mídias sociais Allan dos Santos. A alegação é de que ele está nos Estados
Unidos e a ordem poderia violar a jurisdição americana. Nesta terça-feira (25), o Tribunal Distrital Federal dos Estados Unidos na Flórida decidiu que a plataforma de vídeos Rumble e a Trump
Media, empresa do presidente Donald Trump, não são obrigadas a cumprir ordens expedidas por Moraes. VEJA TAMBÉM: * Bolsonaro pede que Dino e Zanin sejam impedidos de julgar denúncia da PGR
* Justiça dos EUA afirma que Rumble não precisa cumprir ordens de Moraes PROCESSOS CONTRA MORAES DESAFIAM AS NORMAS HABITUAIS DO DIREITO INTERNACIONAL E PODEM GERAR SANÇÕES A escalada
internacional do embate entre Moraes e a direita ainda suscita questões sobre a real efetividade da interferência estrangeira e sobre possíveis caminhos de defesa que o magistrado pode
adotar. Para especialistas ouvidos pela GAZETA DO POVO, as iniciativas contra ele ainda estão em fase inicial e são cobertas por tensões políticas, o que dificulta antever desdobramentos de
situações incomuns. A maioria dos especialistas concorda que os processos propostos nos Estados Unidos contra Moraes pelas empresas Rumble e Trump Media contrariam normas habituais do
direito internacional. O governo americano não tem participação nesses processos. Com isso, há chance de que sua tramitação se inviabilize. Mesmo se a ação prosseguir, o seu desfecho
jurídico pode ser nulo, sem produzir efeitos práticos. Por outro lado, nos âmbitos político, social e simbólico, a iniciativa judicial privada contra o magistrado já tem gerado impactos
significativos. As plataformas Rumble e a Trump Media moveram ação em tribunal federal na Flórida, acusando Moraes de violar a soberania americana ao ordenar a suspensão da conta do
jornalista Allan dos Santos. Foragido da Justiça brasileira nos EUA, ele já teve pedido de extradição negado e foi tirado da lista “difusão vermelha” da Interpol, por falta de evidências
sobre os crimes imputados pelo STF. Em reação, o ministro multou a plataforma em R$ 50 mil diários e a bloqueou. TENSÃO JUDICIAL ENTRE MORAES E PLATAFORMAS AINDA SEM DESFECHO À VISTA As
empresas moveram uma segunda ação, solicitando liminar para suspender as ordens de Moraes e também para reagir à ameaça de Moraes de processar o CEO da Rumble, Chris Pavlovski. Ele afirma
estar disposto a dialogar, embora tenha protestado nas redes contra as "decisões ilegais" do juiz, prometendo não cumpri-las. Todas essas situações são acompanhadas de perto por
Elon Musk, dono do X e braço direito de Trump no governo. Musk e Moraes protagonizaram um embate em 2024, que levou à derrubada do X no Brasil. Musk acabou cedendo e cumprindo as ordens de
Moraes para que o X voltasse a funcionar no país. Perguntado pela reportagem, por meio de sua assessoria, como avaliou esses fatos vindos dos EUA e se pretende apresentar defesa nos dois
processos nos EUA, o ministro Alexandre de Moraes informou que não comentaria. Nesta segunda-feira (24), durante discurso a alunos da Universidade de São Paulo, ele acusou as _Big Techs_
(empresas que controlam as redes sociais) de serem "instrumentalizadas" pela "extrema-direita", em favor de interesses ideológicos e de grupos econômicos. Ainda correm em
paralelo iniciativas de parlamentares brasileiros junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, com denúncias de arbitrariedades de Moraes. Também há informações sobre a possibilidade
de uma comitiva parlamentar dos Estados Unidos vir ao Brasil para apurar detalhes sobre acusações contra o ministro. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO É PRINCÍPIO CARO AOS EUA, DIZ JURISTA A
professora de Direito Constitucional Vera Chemim avalia que os riscos de sanções a Moraes são reais por lidarem com questões do direito fundamental à liberdade de expressão e em razão da
volta de Donald Trump à Casa Branca. “Elas repercutem tanto dentro quanto fora do país, sobretudo no contexto de forte polarização ideológica no mundo. Em se tratando dos Estados Unidos, o
tema é ainda mais sensível”, observou. Vera lembra que Moraes tem extrapolado a sua função de juiz de Suprema Corte, interferindo em outros poderes da República e expedindo ordens para
empresas americanas censurarem pessoas, o que fere a constituição americana. “Como se tudo isso não bastasse, Moraes segue dobrando a aposta e ignorando totalmente as prováveis consequências
de seus atos”, acrescenta. A jurista destaca que a Lei Magnitsky pode, sim, impactar Moraes, pois suas sanções alcançam todas as instituições financeiras brasileiras, dependentes direta ou
indiretamente do sistema internacional e que realizam transações com organizações americanas. “A lei atua como multiplicador de sanções globais, sob o pretexto de proteger o Estado de
Direito e a liberdade de expressão”, explica. Ela também ressalta que Trump já recorreu à Magnitsky no primeiro governo e pode fazer isso de novo. ESPECIALISTA APONTA A POLITIZAÇÃO DO STF
COMO FATOR DE TENSÃO INTERNACIONAL Para o advogado Ricardo Peake Braga, autor do livro _Juristocracia e o fim da democracia_, a elevação do embate de Alexandre Moraes e líderes conservadores
no país e no exterior é “situação lamentável”, que suscita questões. “Penso que este quadro decorre do fato da politização do STF. Quando a Corte desce à arena política e torna-se um dos
atores das disputas, sujeita-se a se envolver num tipo de debate do qual deveria estar à margem, como árbitra imparcial dos conflitos ”, explica. O jurista André Marsiglia, especialista no
tema liberdade de expressão, também entende que a escalada para o exterior das tensões entre o magistrado e a direita brasileira deve-se a uma postura de desrespeito à liturgia do cargo,
evidenciando preferências pessoais e obsessão por censurar alvos escolhidos de forma discricionária. “Entendo que as decisões do STF, capitaneadas por Moraes, são cada vez mais recheadas de
indevidas provocações e personalizações. Isso impactou diretamente na visibilidade internacional da censura brasileira”, explicou. Marsiglia acrescenta que as restrições em plataformas
digitais evocam nos Estados Unidos temores de impacto econômico importante, levando em conta elas servem de guarda-chuva de negócios. “Entende-se que deixar as redes sob controle de um só
juiz prejudica também a livre iniciativa”, disse. MORAES PODE SER DEFENDIDO PELA AGU CONTRA SANÇÕES, MAS HÁ DÚVIDAS SOBRE EXTENSÃO DOS ATOS Além das dúvidas envolvendo aspectos partidários e
ideológicos, o processo contra o juiz brasileiro na justiça americana também instiga discussões sobre detalhes técnicos. O primeiro deles, ressalta Braga, é, por exemplo, se há previsão
legal para que a Advocacia-Geral da União (AGU) possa defender integrantes do Judiciário em tribunais de outros países. Para Vera Chemim, essa é uma possibilidade, caso se entenda que Moraes
cometeu as ações como agente do Estado brasileiro. Na ação, ele é apresentado como "juiz Alexandre de Moraes, da Suprema Corte da República Federativa do Brasil". O professor de
Relações Internacionais Daniel Afonso Silva, da USP, aponta que os problemas de Moraes refletem uma tendência de judicialização da política no Ocidente, verificada nos últimos 15 anos, onde
o Judiciário supera o Executivo e o Legislativo. “Essa dinâmica não é exclusiva do Brasil e Moraes se destaca nela agora, evidenciando rusgas pessoais com Jair Bolsonaro e seu entorno. Além
disso, ações judiciais e atos legislativos dos Estados Unidos contra ele mostram a corrente de solidariedade entre conservadores, fortalecida desde a derrota de Trump em 2020. Ao afrontar
Bolsonaro e aliados, Moraes cutucou onças, globalizadas há mais tempo que ele imaginava”, diz. VEJA TAMBÉM: * Partido Novo denuncia censura no Brasil à Corte Interamericana de Direitos
Humanos * Atuação de Trump encoraja iniciativas da direita no Brasil e inspira outras LULA CONDENA INTERVENÇÕES DE TRUMP, QUE MANDA UM "ALÔ" PARA BOLSONARO No fim de semana, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez críticas a Trump, ressaltando que o colega americano não foi eleito para ser “xerife” do mundo. No mesmo dia Trump mandou um "alô"
para Bolsonaro, ao cumprimentar o filho Eduardo, em encontro conservador CPAC nos EUA. "Xerife” é uma das alcunhas de Moraes dadas pelos críticos de sua atuação controversa desde quando
assumiu a chefia do inquérito das_ fake news_ e derivados, há seis anos. Entre os principais críticos dele está o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello. Parlamentares de oposição no
Brasil, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Maurício Marcon (Podemos-RS), avaliaram que o cerco judicial a Moraes é a evolução de uma conjuntura desfavorável já iniciada com
as denúncias feitas contra o juiz por testemunhos de vítimas, reportagens independentes e atores externos. Para eles, Moraes não resistirá às pressões e sofrerá sanções, a começar pela perda
do visto americano. “A ditadura está acabando”, afirmou Marcon.