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_O desprezo por uma das características de democracias adultas, a alternância de poder, é evidente nas falas do caudilho bolivariano_ A menos de um mês da eleição presidencial venezuelana, o
neocaudilho Hugo Chávez resolveu intensificar as insinuações de que o país mergulhará no caos caso não seja reeleito. Na segunda-feira, durante um comício, ele "alertou" os
eleitores ricos nos seguintes termos: "As famílias ricas têm suas casas finas, veículos bons, provavelmente um apartamento na praia, propriedades e assim por diante. Eles gostam de
viajar para o exterior nas férias. Será que uma guerra civil lhes convém? De maneira nenhuma. Isso só convém à direita extrema e fascista encarnada pelo perdedor. Está nos interesses dos
ricos amantes da paz uma vitória de Chávez, e eu os convido a votar em Chávez em 7 de outubro. Chávez garante paz, estabilidade e crescimento econômico." O "perdedor", no
caso, é seu adversário no pleito, Henrique Capriles. Uma prévia do cenário sugerido por Chávez pôde ser vista na quarta-feira, quando partidários dos dois candidatos se enfrentaram na cidade
de Puerto Cabello. Basta um pequeno exercício de lógica para entender a ameaça pouco sutil de Chávez. Se é a sua vitória que garante estabilidade, não seria a "direita extrema e
fascista" que desestabilizaria a Venezuela com a guerra civil. Quem seriam, então, os maus perdedores, que tentariam reverter pela força um eventual resultado adverso nas urnas? Vale
recordar que, apesar de já ter sido vítima de uma tentativa de golpe de Estado, o próprio Chávez liderou uma tentativa de tomar o poder em 1992. O desprezo por uma das características de
democracias adultas, a alternância de poder, é evidente nas falas do líder bolivariano, que está na Presidência desde 1999 e também tem um histórico de ataques à imprensa livre; Chávez já
mandou fechar emissoras de televisão que lhe faziam oposição e não perde chances de usar a força contra jornais que não seguem a cartilha bolivariana. Sua noção muito peculiar para não
dizer distorcida do que sejam valores democráticos e direitos humanos levou o caudilho a retirar a Venezuela da Corte e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, segundo Chávez,
seriam "parciais" em relação ao país, quando o que fazem é apontar problemas reais da Venezuela. Além disso, as "garantias" de Chávez são no mínimo duvidosas. O
desempenho da economia venezuelana vem passando por grandes oscilações nos últimos dez anos e o crescimento de 4,1% no PIB em 2011 veio após duas quedas seguidas, de 3,2% em 2009 e 1,5% em
2010; a inflação já chegou a 21% no acumulado dos oito primeiros meses de 2012; e o clima para negócios está longe de ser satisfatório, já que nunca se sabe que setores serão os próximos na
lista de estatizações periodicamente promovidas por Chávez e que já inclui empresas siderúrgicas, petrolíferas, cimenteiras, de eletricidade, de telecomunicações e supermercados. Até mesmo
as casas de praia citadas pelo presidente em seu discurso estão na mira: há um ano, Chávez anunciou sua intenção de tomar para o governo propriedades no arquipélago caribenho de Los Roques,
sob a alegação de que haviam sido construídas irregularmente. "A alta burguesia privatizou tudo isso [o balneário]. E vamos expropriá-lo", afirmou, na ocasião, embora não tenha
levado a cabo a ameaça. Popular entre as classes mais baixas, Chávez vem observando uma reação de Capriles nas pesquisas de opinião, algumas delas já apontando um empate. Por isso, há quem
veja nas ameaças de "guerra civil" uma ferramenta de marketing eleitoral aliás, a campanha de Chávez está sob os cuidados do brasileiro João Santana, marqueteiro de Lula em 2006
e de Dilma em 2010, ocasião em que se espalhou o boato de que o candidato José Serra acabaria com o Bolsa Família se fosse eleito. Mas o discurso do medo promovido pelo ditador venezuelano
não pode ser considerado adequado nem como recurso retórico. Os cidadãos que vão às urnas em outubro precisam estar livres de qualquer coação, inclusive para escolher o fim da era Chávez sem
medo de retaliações. Insinuações de guerra civil em caso de vitória de Capriles violam essa liberdade e, a julgar pelo histórico antidemocrático chavista, infelizmente os bolivarianos
podem estar realmente preparados para concretizar o que hoje é apenas uma ameaça.