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Todos são iguais perante a lei? Não. O Brasil é uma República em que os representantes políticos, pelo menos em alguma medida, orientam a sua conduta pela idéia de bem comum ou interesse
geral? Também não. Os nossos "grandes líderes" recebem o mesmo tratamento que o populacho quando adotam um comportamento criminoso? Nem pensar. No Brasil, a idéia de que somos
todos iguais perante a lei, expressa no artigo 5.º da Constituição Federal de 1988, é sistematicamente desafiada. O resultado da votação de ontem no Senado, que tinha como objetivo cassar o
mandato do presidente daquela instituição, o senador Renan Calheiros, é mais uma prova disso. A igualdade de todos perante a lei, no Brasil, é uma mera ficção e, por conseguinte, é também
uma ficção a democracia brasileira. Ao menos é este o recado que a nossa classe política vem dando sistematicamente à população brasileira. Refiro-me especificamente à nossa classe política
porque é preciso evitar o pessimismo excessivo. Nos últimos anos temos presenciado a atuação corajosa de algumas instituições nacionais em defesa da legalidade e da universalidade das leis.
O Ministério Público e a Polícia Federal são exemplos salutares nesse sentido. Grande parte dos nossos políticos, entretanto, tem insistido em ser a vanguarda do atraso. Apesar de todas as
evidências, a maior parte dos senadores resolveu absolver o presidente do Senado. Protegidos contra a opinião pública, acobertados, na verdade, pelo voto secreto, resolveram adotar um
comportamento estritamente corporativo. Preferiram pensar estreitamente, preferiram garantir algum ganho imediato ou proteger-se contra eventuais ataques do acusado. O fato, seja qual for o
cálculo realizado pelos senadores que absolveram o presidente do Senado, é que a democracia brasileira sai desse episódio com mais um golpe profundo na sua imagem já bastante desgastada
perante a maioria da população brasileira. Não sejamos ingênuos. É claro que a política é um lugar de embates, de lutas entre interesses poderosos. No entanto, a boa política é a luta entre
interesses coletivos, é o enfrentamento entre projetos que ultrapassam a mera vaidade pessoal. O comportamento de parte significativa de nossos políticos sugere que a única razão de ocuparem
um cargo público é o ganho estritamente pessoal. Grande parte dos nossos políticos não são propriamente políticos, mas apenas sujeitos que querem ganhar a vida. Que a política seja uma
profissão, não é um problema. Na verdade, é bom que o seja. Mas daí acreditar que o único objetivo a orientar um político deva ser a sua permanência no cargo a qualquer custo é certamente
apostar numa atitude que corre o risco de inviabilizar a própria atividade política. Assumir essa postura significa privar a política de qualquer credibilidade. Esse é, a meu ver, o pior
efeito que o resultado da votação de ontem certamente produziu, ainda mais por não se tratar de um político qualquer, mas do presidente do Senado. Renan Calheiros parece não ter a menor
noção da importância de sua função. Como presidente da casa revisora, da casa representativa dos estados da federação, deveria ter o mínimo de respeito pela instituição e ter renunciado ao
cargo há muito tempo. Mas já sabemos que para políticos como Renan Calheiros a instituição não significa nada, assim como nada significa a democracia. A única coisa que lhe interessa é
ganhar eleições para acumular poder, dinheiro e influência. Se a manutenção dessas vontades pessoais exigir que se coloque em risco a credibilidade das instituições e dos seus pares, tanto
pior para eles. Tomara que a população brasileira saiba diferenciar Calheiros do cargo que ele ocupa. Mas é preciso admitir que com exemplos como esse o nosso povo não tem muitas razões para
crer na democracia. Definitivamente, parte de nossa elite é bem pior do que alguns imaginam! RENATO MONSEFF PERISSINOTTO É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFPR.