China, colosso deficitário em soft power

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O portal da revista _The Diplomat_, especializada em Ásia e região do Pacífico, acaba de publicar suculenta entrevista da professora Elizabeth Economy, autora, entre outros trabalhos


importantes, do recentíssimo _The World According to China_. Atualmente licenciada da Hoover Institution (respeitado _think tank _conservador na Universidade de Stanford), Economy trabalha


como conselheira-sênior do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Conversando com Shannon Tiezzi, editora-chefe da revista, Economy focalizou os amplos esforços da China sob Xi Jinping


para reconstruir a arquitetura do sistema econômico mundial à imagem e semelhança da visão autoritária e iliberal da liderança do Partido Comunista Chinês, que acaba de completar 100 anos


de fundação e se mantém no poder desde 1949. Desde que assumiu a secretaria-geral do partido e a presidência da República Popular da China, em 2013, Xi se empenha, incansavelmente, em


estabelecer controle absoluto sobre a economia, a política, a sociedade e a cultura do país, tendo removido em 2018 o limite de dois mandatos, de cinco anos cada, para o exercício de suas


funções. Xi considera os Estados Unidos uma superpotência em declínio e vê nisso a grande oportunidade para que a China reescreva as regras que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial,


pautam, em um sentido liberal, o funcionamento da economia global e das relações internacionais. Para tanto, ele aposta nos dois principais esteios do poder chinês: a expansão econômica e a


modernização do Exército de Libertação Popular (as forças armadas) – fontes de “poder duro” (_hard power_), coercitivo, em contraste com o “poder macio” (_soft power_), derivado da


influência exercida por um país na opinião pública internacional em razão da atratividade da sua cultura e do seu dinamismo socioeconômico, na classificação de Joseph S. Nye Jr., professor e


pesquisador de Harvard, coautor, com Robert Keohane, do conceito de “interdependência complexa”, no hoje clássico _Power and Interdependence_, de 1974 (para uma panorâmica das preocupações


subsequentes de Nye, veja-se, por exemplo, o seu _The Future of Power_,_ _de 2011). VEJA TAMBÉM: Na entrevista, Elizabeth Economy observa que o partido-governo aproveitou o período da


pandemia da Covid-19 para “limitar o acesso dos chineses a informações do exterior, insistindo numa falsa narrativa positiva acerca das percepções internacionais da China”. Ela crê que, no


médio/longo prazo, isso trará consequências adversas ao projeto de Xi, por “limitar sua própria capacidade de tomar decisões bem informadas” e também por trazer “o risco de que”, uma vez


encerradas as restrições de viagens de e para a China, “seus cidadãos obtenham uma compreensão mais completa de como o seu país é percebido internacionalmente”. Ultimamente, estão se


multiplicando os exemplos dessa desconexão entre a autoimagem oficial e a imagem que os estrangeiros têm do papel internacional da China. Na delicada questão de Taiwan, que Pequim considera


uma “província rebelde” sobre a qual, mais cedo ou mais tarde, a China comunista haverá de reafirmar seus direitos soberanos – por meios pacíficos ou não –, a diplomacia chinesa tem colhido


dissabores na Europa oriental. Em novembro último, a Lituânia quebrou um costume de décadas permitindo a abertura, em sua capital, Vilna, de um escritório semidiplomático com o nome de


Taiwan – e não de sua capital, Taipé, como fazem outros países para não melindrar a China. Na sequência, o governo chinês chamou de volta o seu embaixador em Vilna e expulsou o embaixador


lituano. Paralelamente, a alfândega chinesa embargou a entrada de 120 contêineres com mercadorias lituanas avaliadas em 1,5 milhão de euros. Na sequência, o secretário de Estado dos Estados


Unidos, Anthony Blinken, e sua colega alemã, Annalena Baerbock, em documento conjunto, externaram sua “imediata preocupação diante das tentativas do governo da China para intimidar a


Lituânia”, país-membro da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Pouco depois, o Congresso Nacional do Povo chinês condenou a visita oficial do ministro das


Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, a Praga, a convite do Senado tcheco. A despeito das críticas de Pequim, delegações taiwanesas têm visitado regularmente a República Tcheca desde


2016. Economy acrescenta que “a conduta chinesa, tanto doméstica quanto externa – sua diplomacia coercitiva, seu comportamento militar assertivo na região do Pacífico [Coreia do Sul, Vietnã,


Filipinas e, claro, Taiwan] e seus abusos contra os direitos humanos [Hong Kong, Xinjiang e Tibete, por exemplo] –, levou muitos países a repensarem suas políticas em relação à China”. A


entrevistada assinala, ainda, que “pesquisas internacionais de opinião revelam níveis inéditos de desconfiança na liderança chinesa e no próprio Xi Jinping. Em vez de convencer os outros


países de que a China está pronta para atuar como uma potência global responsável [...], Pequim aparentemente estimulou-os a se unir em oposição à sua liderança”. > Em vez de convencer os


 outros países de que a China está pronta > para atuar como uma potência global responsável [...], Pequim > aparentemente estimulou-os a se unir em oposição à sua liderança A leitura


da entrevista de Elizabeth Economy convida à conclusão de que as frequentes exibições de _hard power_ debilitam o potencial de _soft power_ do “império do meio”, abrindo novas oportunidades


para que os Estados Unidos revigorem as alianças internacionais criadas e mantidas por cerca de 70 anos graças à sua hegemonia, com o objetivo de frustrar o projeto de uma ordem


internacional sinocêntrica que, até agora, tem suscitado mais dúvidas e inquietações do que simpatia e confiança. _PAULO KRAMER__ é __cientista político e especialista da Fundação da


Liberdade Econômica__._