A tribuna perdida

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A tradição da tribuna parlamentar consagra o espaço da oposição para contrabalançar os privilégios do governo, dono da máquina administrativa e da caneta para as nomeações e o controle dos


milhares de cobiçadas sinecuras no segundo escalão. Os cabelos brancos de veterano depõem sobre o Congresso que freqüentei de 1948 até a mudança da capital para Brasília, em 1960. Outros


tempos e costumes. Se era impensável levar na bagagem de senadores, deputados e das desfalcadas equipes de repórteres que cobriam o Legislativo com seções fixas nos matutinos e amplos


espaços nas páginas nobres dos vespertinos a vexaminosa evidência que a degringolada moral, ética e de comportamento das sucessivas legislaturas brasiliense passou da conta do tolerável. A


última fase de ouro da eloqüência parlamentar não se justifica apenas com a coincidência da safra dos grandes oradores que arrastavam o público que lotava as modestas galerias do Palácio


Tiradentes. Herança da tradição com raízes na monarquia, interrompida pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, e que refloriu com a criação de partidos montados nas


velhas rivalidades municipais, que separavam famílias e desafiou o passar dos anos. A oposição udenista foi uma imposição das derrotas nas eleições dos presidentes Dutra, na volta triunfal


de Vargas; amortece com o vice Café Filho na Presidência e resiste com fraturas aos 50 anos em cinco de JK. A transferência da capital da ex-cidade maravilhosa para o cerrado brasiliense, a


renúncia do embirutado Jânio Quadros, os erros táticos de Jango Goulart esticaram a corda até estourar com a Redentora e os 21 anos do rodízio dos generais-presidente. A morte de Tancredo


Neves, o presidente eleito que não chegou a tomar posse, e a seqüência dos presidentes civis – José Sarney, Collor de Melo, Itamar Franco, o bis de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro


mandato, com o apêndice da reeleição de Lula não fizeram bem ao Congresso. Ao contrário. Um breve período de ruído na Câmara e seus ecos na senectude do Congresso alimentaram o interesse


cadente da opinião pública. Se na tribuna a queda da qualidade dos oradores cutucava a lembrança da fase de Afonso Arinos, Carlos Lacerda, Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Gustavo


Capanema, Nereu Ramos, Brochado da Rocha, Leonel Brizola e dezenas de todos os partidos, a solidão da nova capital ainda em obras excitou a criatividade ociosa de deputados e senadores e


desaguou na orgia das mordomias, vantagens, benefícios até o descalabro moral do recorde de rejeição popular com o índice de 1% de confiança da população na última pesquisa. Depois da


provação humilhante do seriado de escândalos no reinado lulista, com o mensalão para a compra e aluguel de mandatos, do caixa 2, das CPIs que não deram em nada, o susto de um estouro


institucional alimentou as especulações sobre a urgência da reforma política. Nem bem assentou a poeira da paúra e a farsa ocupa o palco da mistificação. O deputado Arlindo Chinaglia


(PT-SP), eleito presidente da Câmara, roncou grosso com promessas de cortes na farra das mordomias. Caiu em si e recuou no morde-e-sopra: trocou a rejeição do reajuste de R$ 50,8 mil para R$


65,1 mil da verba de gabinete para a contratação de assessores de coisa nenhuma pela proposta de aumento dos subsídios parlamentares de R$ 12.847 para R$ 16.250. Os vencimentos do


presidente e ministros também entram na cesta das dádivas. Como se vê, não falta munição para uma firme campanha de oposição. Nem os badalos para alertar o povo. Mas a oposição perdeu a


credibilidade e a tribuna parlamentar desligou os microfones: ninguém ouve o que se fala no luxo dos plenários brasilienses. Um tema para outras conversas. VILLAS-BÔAS CORRÊA É ANALISTA


POLÍTICO.