Memórias de um sultão

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O jornalista carioca Marcos Eduardo Neves já havia escrito as biografias de Renato Gaúcho e Heleno de Freitas quando deparou-se com um convite para transformar em livro a história de Alex. A


primeira reação foi de desânimo. "Achava ele pacato demais", definiu. Uma impressão desfeita em um almoço com o jogador, que deu início a uma saga ainda em andamento de 140


entrevistas. O resultado será entregue no início de 2015, pouco depois da aposentadoria de Alex. Em janeiro sai a versão em português. Três meses depois, uma edição para a Turquia. O público


turco receberá, ainda, um livro extra com a íntegra dos principais depoimentos coletados ao longo de dois anos. "Passei cinco dias com o Zico para usar quatro frases no livro. É um


pecado isso ficar preso no meu HD. Principalmente no mercado turco, qualquer coisa sobre o Alex vende", diz Neves, seguro da necessidade de equilibrar no livro a trajetória de grande


jogador que Alex tem no Brasil com o status de semideus de que ele goza na Turquia. COMO SURGIU A IDEIA DE BIOGRAFAR O ALEX? O Alex é amigo do Marcelo Almeida [empresário e terceiro homem


mais rico do país], e contou para ele que adora livros e estava pensando em fazer uma biografia. No aniversário do Alex, o Marcelo falou que daria a ele a biografia de presente. Primeiro


procurou o Ruy Castro, que recusou porque não faz biografia sob encomenda, mas me indicou. Eu já tinha escrito o livro do Heleno, que estava em evidência na época por causa do filme


estrelado pelo Rodrigo Santoro. VOCÊ ESCREVEU AS BIOGRAFIAS DO RENATO GAÚCHO E DO HELENO DE FREITAS, PERSONAGENS EXTREMAMENTE POLÊMICOS. O ALEX TEM ALGUMA SEMELHANÇA COM ELES? Na época eu


nem me interessei tanto por preferir personagens com essa veia polêmica. Achava o Alex pacato demais, sereno demais. Mas aí a gente foi almoçar e eu vi que a história dele era muito bacana.


O Alex não tem papas na língua, fala o que pensa. QUAL A ENTREVISTA MAIS DIFÍCIL DE CONSEGUIR PARA O LIVRO? Ronaldinho Gaúcho. Fui quatro vezes à Cidade do Galo e nada. No último dia, aos 45


do segundo tempo, eu já a caminho do aeroporto, ele decidiu me atender. Chegou cheio de dente e de sorriso, falou que o Alex foi o melhor parceiro dele em termos de se entender. Era uma


coisa de olhar, que nem com o Messi ele teve. Falou também da paixão dos dois pelo samba. ALGUÉM SE RECUSOU A FALAR? O Aykut Kocaman, técnico com quem o Alex se desentendeu e saiu do


Fenerbahçe. Ele me pediu oito dias para pensar e, na última hora, recusou. Toda história tem heróis, vilões, mocinhos e bandidos. Ele percebeu que é um vilão e decidiu não participar. Outro


foi o presidente do Fener, o Aziz Yildirim. Quando cheguei a Istambul, saiu a ordem de prisão dele por manipulação de resultados. A cabeça dele estava mais dentro das grades do que no Alex.


TEM GENTE FALANDO MAL DO ALEX? O próprio Alex disse: "Se falarem mal de mim, pode botar". Tem podres que jogam e ainda vou entrevistar gente. Quero ouvir o Dalmo Pessoa, jornalista


de São Paulo que inventou o apelido de "Alexotan". QUAL HISTÓRIA MAIS TE CHAMOU ATENÇÃO? Vi um senhor de 70 anos, com o netinho de 12, diante da estátua do Alex na frente do


estádio do Fenerbahçe em um dia de jogo. Eles ficaram lá quase até a bola rolar. Quando o jogo já ia começar, o senhor deu um beijo na ponta da chuteira, o netinho também e eles foram para o


estádio de mãos dadas. Vi também, nas categorias de base do Galatasaray, um menino fazer um gol de falta no ângulo e correr gritando "Alex". No Galatasaray! O nome do ídolo do


maior rival! ESSA RELAÇÃO DO TURCO COM O ALEX É ALGO ÚNICO? É algo que talvez só exista igual com o Maradona em Nápoles. É uma questão de santidade. O meu maior trabalho é fazer com que a


parte Brasil da carreira do Alex seja tão interessante quanto a parte turca. É mostrar para os turcos que existe um Alex antes do Fenerbahçe. E mostrar para os brasileiros o cara que passou


do nível de grande jogador para se tornar uma celebridade. É o sultão de um país. COMO VOCÊ PERCEBEU A RELAÇÃO DO ALEX COM O CORITIBA? Eu fui a Curitiba para o jogo mil dele e tinha 9 mil


pessoas no estádio. Se ele faz no Fenerbahçe, o estádio estaria completamente lotado, com telões pela cidade inteira. Mas o Alex estava feliz, porque o Coritiba é onde ele se sente em casa.


A paixão do Alex pelo clube é tão grande que ele decide voltar para ser campeão e recusa propostas muito melhores. E que deixa ele tão louco com a eliminação no Paranaense desse ano a ponto


de pensar em parar. O Alex acreditava que seria diferente a volta dele. Dá a impressão de que vendo à distância, ele percebe que poderia ser aquele algo a mais que faltou nas duas finais da


Copa do Brasil. Aí ele chega e encontra nos bastidores uma realidade muito diferente. Mas, por conta do amor pelo Coritiba, vai continuar no clube até encerrar a carreira. COMO A NÃO IDA À


COPA DE 2002 APARECE NO LIVRO? É o grande vão da carreira, o grande vazio existencial dele. Talvez o momento mais dramático do livro e eu fui fundo nisso. É o momento em que ele menos


acredita nos amigos, nas coisas que ouviu. O leitor verá o que o Felipão falava para ele meses antes da convocação. Tem o Felipão dando o seu ponto de vista. Na véspera da final, o Alex


ficou na noite até seis e pouco da manhã para chegar em casa, dormir e não acordar nem com o barulho dos fogos. Ele não queria saber de seleção brasileira. QUAL O PESO DO BOM SENSO? É a


parte mais bacana da volta ao Brasil. Aqui o Alex se mostra um intelectual da bola. Um Sócrates sem cachaça, como diz o Acaz Fellegger, assessor dele. DÊ SUA OPINIÃO O QUE VOCÊ ACHOU DA


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