De olho na eleição de 2022, governo “tira o pé” na reforma administrativa

feature-image

Play all audios:

Loading...

A reforma administrativa não é consenso no governo, embora tenha sido proposta pelo próprio Executivo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, até faz o possível para tentar convencer o país


de que as novas regras para o serviço público são uma prioridade dele e do presidente Jair Bolsonaro. Mas, nos bastidores, interlocutores do Palácio do Planalto, do Ministério da Economia e


parlamentares governistas admitem que não há alinhamento entre os dois nesta agenda. A GAZETA DO POVO ouviu de diferentes fontes que Bolsonaro está convencido de que o _timing _político da


reforma administrativa passou e, atualmente, ela traria mais ônus do que bônus, sobretudo eleitorais. "A reforma era uma promessa de 2019, não 2021", diz um interlocutor do


Planalto. A informação que circula no governo e no Congresso é de que o próprio Planalto deu o "sinal verde" para que as articulações sobre a Proposta de Emenda à Constituição


(PEC) 32/2020, a da reforma administrativa, não tramite com a mesma prioridade que as pautas relacionadas à reforma tributária, entre outras da agenda prioritária. "Existe um movimento


para frear a reforma administrativa, mas não para enterrar. Há um desejo do governo em aprová-la, mas não agora, porque atrapalharia a reeleição do Bolsonaro", reconhece um deputado


governista. COMO BOLSONARO SE CONVENCEU DOS RISCOS DA REFORMA ADMINISTRATIVA Algumas pesquisas eleitorais põem Bolsonaro atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um eventual


segundo turno entre os dois nas eleições de 2022. O presidente desdenha das projeções, mas, nos bastidores, a ordem é evitar ações e a aprovação de pautas que possam ser prejudiciais à


campanha eleitoral. "Se ele torna a reforma administrativa uma prioridade, aí sim que ele complica de vez as chances de reeleição", comenta um assessor palaciano. A base do governo


tem um lastro considerável entre servidores da área da segurança pública, a exemplo de policiais militares, civis e federais. O próprio Bolsonaro sinalizou que a PEC 32 não é uma


prioridade. Em seu último pronunciamento, no dia 2, ele citou outras prioridades da agenda econômica, como as privatizações, mas não fez qualquer menção à reforma administrativa. "A


Bolsa de Valores bateu recorde histórico, a moeda brasileira se fortalece e estamos avançando no difícil processo de privatizações", disse o presidente na ocasião. Desde março, a GAZETA


DO POVO informa que a base do governo na Câmara encara a reforma administrativa com resistências. A própria aprovação da chamada PEC Emergencial (186/19) provocou um desgaste grande aos


parlamentares aliados, sobretudo os ligados a carreiras da segurança pública. A diferença do cenário atual para março é que o próprio Bolsonaro, agora, se diz convencido de que a aprovação


da reforma administrativa seria prejudicial a seus aliados e a si próprio. Nas últimas semanas, o presidente da República recebeu deputados ligados às polícias e ouviu deles o apelo para


frear a PEC 32/20, sob risco de ele próprio ser prejudicado em 2022. O QUE GUEDES ESPERA AO TENTAR TRANSPARECER A REFORMA COMO PRIORIDADE Se nos bastidores as sinalizações do Planalto são de


autorização para que a reforma administrativa tramite sem urgência, em público a ordem é de manter as aparências. É o que tem feito Guedes, preocupado com as avaliações do mercado


financeiro sobre a sustentabilidade das contas públicas. Em 31 de maio, o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou a informação de que Bolsonaro não quer a aprovação da reforma


administrativa e que não trabalhará por ela. A informação teria sido repassada por Guedes ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). No mesmo dia, os contratos baseados em juros


futuros subiram, o que sugeria repercussão ruim no mercado. No mesmo dia, Pacheco questionou o comprometimento do governo com a PEC 32. "Há o compromisso do Poder Executivo com a


reforma administrativa? Esse é um questionamento que precisamos fazer e ter clareza nessa discussão junto à Casa Civil, à Secretaria de Governo e à própria Presidência da República: se há


vontade de fazer uma reforma administrativa em um ano pré-eleitoral ou não", afirmou. No dia seguinte (1º de junho), Guedes concedeu entrevista à CNN Brasil para evitar maiores impactos


ao mercado. Disse que Bolsonaro apoia a PEC 32 e que conversou com Pacheco na segunda. "Disse a ele isso: que conversei com o presidente Bolsonaro e ele está apoiando. O presidente da


Câmara dos Deputados está apoiando também. Estamos animados para a reforma. Acho que as reformas vem ai", disse o ministro. DIVERGÊNCIAS ENTRE GUEDES E BOLSONARO NÃO SUGEREM RUPTURA


Integrantes da equipe econômica reconhecem as divergências entre Bolsonaro e Guedes sobre a reforma administrativa e entendem como natural o posicionamento do ministro em defesa da agenda.


"A reforma administrativa gera medidas que acabam tendo um efeito no longo prazo", comenta um interlocutor de Guedes. O benefício para a economia com a aprovação seria sentido


apenas com o tempo, mas precificado desde agora. "Os agentes econômicos leem decisões presentes que trazem benefícios no futuro. Com isso, teríamos, sem dúvida, uma aceitação por parte


do mercado de medidas que beneficiariam a perspectiva quanto ao endividamento do Brasil", acrescenta o interlocutor. Sem a perspectiva de benefícios no curto prazo, o Planalto se


posiciona contrário por não vislumbrar ganhos políticos em um ano pré-eleitoral. "Algumas alas do governo advogam que isso [benefícios futuros] não mexe no status quo [atual] e mobiliza


lobbies pró-corporações que acabam gerando ruído político em véspera de eleição", complementa o mesmo interlocutor. Um segundo assessor da equipe econômica garante, contudo, que as


divergências dessas duas correntes do governo não comprometem a boa relação entre Guedes e Bolsonaro e, portanto, não têm poder para provocar uma ruptura interna. "É uma reforma já


entregue e acertada com a Secretaria de Governo e a Casa Civil. O núcleo político, que não vê bônus no curto prazo, apenas ônus eleitoral, tem uma visão. O núcleo econômico, que vê os


benefícios de longo prazo, tem outra. Mas não chega a ser um conflito, é só uma questão de _timing_ de interpretação", diz o assessor. DESINTERESSE DO GOVERNO PELA REFORMA É NOTADO


DESDE A APROVAÇÃO NA CCJ O abandono do governo à reforma administrativa foi notado por parlamentares independentes. O deputado federal Fábio Trad (PSD-MS) – relator da PEC 199/19, que prevê


a prisão após condenação em segunda instância – vê claro sinal de desinteresse do Planalto com a matéria. "Se o governo estivesse realmente engajado nesta reforma, o placar lá na CCJ


[Comissão de Constituição e Justiça] seria mais dilatado", avalia. O colegiado aprovou a PEC 32/20 em 25 de maio por um placar de 39 votos favoráveis e 26 contrários. "Eu fiquei


surpreso com o placar", acrescenta Trad, que votou contrário ao texto por entender que viola o princípio da dignidade da pessoa humana. O resultado também surpreendeu o deputado


Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público. "O próprio Israel esperava ter entre quatro a cinco votos a menos. Isso é,


realmente, sintomático. Sentimos que o governo não está integralmente devotado", sustenta Trad. Diante da articulação atual, Trad acredita ser pouco provável a aprovação da PEC 32 na


comissão especial e no plenário da Câmara. "Só vai vingar se o governo mudar a postura. Se o presidente não se transformar no 'garoto propaganda' e defender, esquece. Na


reforma da Previdência tinha mais articulação. Na administrativa, é nítida a dispersão do governo, não vejo foco", destaca. COMO A LIDERANÇA DO GOVERNO NA CÂMARA ARTICULA A PEC 32 Nesta


terça-feira (8), a liderança do governo na Câmara se reuniu para discutir a PEC 32/20 e demais pautas da "rotina de trabalho" na Casa. Na última semana, a informação era de que o


intuito do encontro seria para que o líder, Ricardo Barros (PP-PR), e vice-líderes entendessem melhor a reforma para esclarecer pontos de vista à base. Procurados nesta terça para falar


sobre a reunião, interlocutores da liderança explicam que a reforma será tratada diretamente na comissão especial, sem uma "força-tarefa" específica dos vice-líderes e do líder em


torno da pauta. Contudo, em um seminário realizado pelo jornal "Correio Braziliense", Barros defendeu a matéria. O líder do governo disse que Bolsonaro e a base no Congresso estão


comprometidos com a aprovação da reforma administrativa e associou resistências às reformas ao fato de o Brasil ter sido "capturado" pelo corporativismo. "Todas as vezes que


estamos para aprovar reformas que vão resolver os problemas do país e tirar privilégios, somos atacados por corporações muito poderosas", disse. FRENTE PARLAMENTAR DA REFORMA


ADMINISTRATIVA CRITICA O GOVERNO Até mesmo os parlamentares mais favoráveis à reforma administrativa criticam a atuação do governo. A senadora Katia Abreu (PP-TO), vice-presidente da Frente


Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, foi outra a notar o desinteresse do Executivo pela matéria. Mas, diferentemente de Pacheco, adotou um tom mais crítico e questionou o


comprometimento de Guedes. "Vejo Paulo Guedes, que deveria ser o maior interessado, lutando muito pouco por essa reforma", afirmou a senadora durante audiência pública da comissão


da Covid-19 no Senado. "Talvez o presidente [Bolsonaro] esteja preocupado em desagradar esse setor [servidores públicos]", disse. O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da


frente parlamentar da reforma, ironizou a falta de comprometimento de Bolsonaro com a reforma. "Me surpreende isso ainda ser notícia. O presidente só se importa com assuntos periféricos


ou errados, como horário de verão, radares e cloroquina. As reformas não serão aprovadas devido a Bolsonaro, mas apesar dele", disse, pelo Twitter.