“conduzindo miss daisy” é muito mais que o reducionismo sobre racismo estrutural

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A história de _Conduzindo Miss Daisy_ (1989), disponível no streaming pelo Max e para locação via Apple e Google Play, começa nos primeiros anos de 1950, quando uma rica senhora judia, Daisy


Werthan (Jessica Tandy), leva sua vida de forma tranquila e completamente independente. Aos 72 anos de idade, Miss Daisy dirige seu lindo carro pela cidade e comparece a todos os


compromissos que surgem. Um dia, no entanto, ao manobrar para sair de casa, ela perde a direção e vai parar no jardim do vizinho. O filho, Boolie Werthan (Dan Aykroyd), ainda que ocupado com


esposa, filhos e negócios, é cuidadoso com a mãe e percebe que chegou a hora de contratar um motorista. E assim aparece Hoke Colburn (Morgan Freeman), um senhor negro simpático e


bem-humorado. É verdade que Miss Daisy, de imediato, recusa a ideia sem cabimento, mas não lhe resta outra opção. A partir disso, para qualquer canto que vá, ela terá Hoke conduzindo o


carro. De início, praticamente não há diálogo entre eles, as frases são curtas e diretas. Hoke até tenta uma ou outra história mais engraçada, mas Miss Daisy continua turrona e de cara


fechada. O tempo e as poucas informações que são postas, no entanto, servem para quebrar as barreiras sociais e culturais. Desse modo, surge uma relação de amizade e confiança entre eles que


vai durar mais de vinte anos. [embedded content] O nobre leitor que se arriscar a procurar outras análises sobre esse filme certamente irá encontrar comentários dando conta de que


_Conduzindo Miss Daisy_, a despeito de sua delicadeza e sensibilidade, esbarra no racismo estrutural ao apresentar um mote clichê: a mulher branca e rica e seu empregado preto e pobre. Um


aviso: não caia nesse reducionismo tolo. O roteiro do filme é assinado por Alfred Uhry, baseado em seu próprio texto, antes levado aos palcos. Pouco ou nunca mencionado é o fato de que a


história de Miss Daisy e Hoke foi inspirada, respectivamente, nas experiências da avó de Alfred Uhry, Lena G. Fox, e do chofer dela, Will Coleman. Lena viveu até os 96 anos de idade na


cidade de Atlanta (capital da Georgia, EUA), que nos anos de 1960 se tornaria o polo mais importante do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Seria óbvio, portanto, que


Alfred Uhry apresentasse um subtexto sobre a intolerância e o racismo. FIM DO ANALFABETISMO O autor, ele mesmo um judeu, apresenta ao espectador uma história sobre dois personagens que


conhecem profundamente o que é sofrer preconceito, mas num local determinado e numa era específica. Miss Daisy não contrata Hoke porque ele é negro, mas porque ele sabia exercer bem sua


tarefa. Hoke não é motorista porque foi obrigado a ser, mas é o que sua capacidade lhe permite. Hoke, como Miss Daisy irá descobrir, é analfabeto (na bela cena do cemitério). Ela é quem vai


ensiná-lo a ler e escrever. Mesmo não sendo o fator mais importante do argumento central, Uhry insere com destaque na história o nome mais ilustre da cidade de Atlanta, Martin Luther King


Jr. É emocionante a sequência em que Miss Daisy comparece a um evento em que Luther King Jr. está presente e faz um de seus mais poderosos discursos sobre os direitos dos negros. Enquanto


isso, do lado de fora, Hoke ouve tudo atentamente pelo rádio do carro. Assim, sem retóricas políticas, _Conduzindo Miss Daisy_ é um filme sensível, adorável, comovente e que conta


simplesmente uma história sobre a vida, relações humanas, tradições culturais, o passar dos anos e a capacidade de transformação do comportamento social que se dá justamente com a passagem


do tempo. VEJA TAMBÉM: * Série aborda heroísmo de pessoas que tentaram esconder Anne Frank do nazismo * "Já Era Hora" usa comédia para recuperar o lema "família em primeiro


lugar"